Impressões do antes (ou, eu irei, ele irá...eles irão). No princípio era o verbo, a verba, e depois o destino. Para além de assumir a tradução portuguesa homónima do verbo propício à viagem, quando o Irão se torna destino e não verbo conjugado no futuro do indicativo, é pelo fascínio que ele provoca que se decide roer caminho até lá! Por ser um país embriagado em costumes alimentados pela sua língua - o farsi, pela sua história, por aquela religião - o Zoroastrismo, pelo seu povo, e até pela sua polícia, a dos costumes. Durante trinta dias vestimos essa cultura com vontade de saber o que é ter aquela visão, esta audição, muito paladar, algum tato e um olfato persa, no masculino e no feminino. Fazemos as malas do estrito necessário, dobrando a novidade e o inesperado para deixar espaço para o que trouxermos de lá.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

5 dias em Teerão

População: mais 2 milhões de pessoas que em Portugal em hora de ponta.
Hameed Mousavi, um dos 12 milhões de tehrani, é recepcionista do nosso primeiro hostel. Foi um dos iranianos mais perspicazes e prestáveis que conhecemos com um humor irónico cheio de sucesso no hostel.

Um sítio: Khaneh Honar Mandan ou a Casa dos Artistas
A arte contemporânea no Irão concentra-se essencialmente em Teerão. Na Khaneh Honar Mandan encontra-se uma comunidade de jovens artistas, com um ar boémio distinto dos restantes jovens de Teerão. O edifício surge no centro do parque Park-e Honar. Com oito galerias espalhadas por dois pisos, este espaço é ninho de várias exposições de escultura, pintura e fotografia contemporânea. Para alimentarem a vossa curiosidade, visitem www.iranartists.org

Uma expressão: Baba valehshktake it easy em farsi
É daquelas expressões que vêm para ficar. Um grupo de jovens que encontrámos em Teerão no Sa’d Abad Museum Complex usavam tanto esta expressão como referenciavam o Cristiano Ronaldo quando dizíamos que eramos portugueses. De registo familiar, ela pega-se e vai ganhando outras formas linguísticas pelo país fora.

Uma impressão: o trânsito e as moto-táxi!
O trânsito em Teerão? Ao início estranha-se, depois entranha-se. Usar cinto? É mentira. É um autêntico caos organizado. O trânsito raramente pára, mas uma estrada de três faixas transforma-se numa de cinco. Caos sim, palavrões não. Existe uma espécie de consenso nacional em que o politicamente correcto seja o comportamento usual atrás do volante, apesar do ziguezaguear constante em ultrapassagem pouco amiga do código da estrada.

As moto-táxi são como uma atracção numa feira de verão. São baratas, entra-se com receio e sai-se com vontade de dar mais uma volta. Os próprios iranianos fixavam-nos de olhos esbugalhados e de queixo no chão quando pedíamos por uma moto-táxi – moto taxi no good for you, very dangerous. Eramos três numa mota, nada de proeza olímpica quando já vimos uma família de seis movimentar-se dessa mesma forma. No entanto, a adrenalina transforma-se em eufemismo quando se passa entre uma carrinha carregada de mercadoria e um autocarro em que os passageiros estão à distância de um Hi five tal como entre moradias de Alfama velhotas fazem troca de naperons.

Um prato: Abgusht ou Dizi
Um prato tem dois nomes, o primeiro quando é servido tal como está no tacho para o prato e é conhecido por Ab Gusht. O segundo quando se verte o caldo de tomate para uma tigela e se esmaga os restantes ingredientes num recipiente, é o famoso Dizi.

O ritual deste prato tradicional iraniano torna a refeição em si tao saborosa. Em primeiro lugar, afogam-se bocados de pão no caldo de tomate. A seguir, esmaga-se a batata, o grão-de-bico, o tomate, e a carne de carneiro. Servido com um prato de verduras sabzi, saboreia-se cada bocadinho embrulhado no pão ou à colherada para os menos gulosos.  


















sábado, 27 de outubro de 2012

Parte I. Os tectos: uma espécie de caleidoscópio

A arquitectura persa merece ser apreciada e absorvida pela íris como se fosse passada a raio-x. Tanto que, por vezes, sente-se a necessidade de ter dois pares de olhos com capacidade panorâmica de 360 graus.

Levantar o olhar nem sempre é um reflexo, mas a verdade é que a surpresa ao descobrir a decoração dos tectos aumenta sempre a sua beleza, digna de arriscar um torcicolo. A epiderme desses tectos cobre-se de tantas formas com cores, respeitando sempre uma simetria perfeita.
Por vezes preferem a profundidade de estalactites atraídas para o mesmo centro – Masjed-e Agha Bozorg, Kashan (Foto 1) Khan-e Abbasian, Kashan (Foto 2) Khan-e Boroujerdi, Kashan (Foto 3, Foto 4).

Outras decoram-se de mosaicos moarraq kashi – Hammam-e Sultan Mir Ahmad, Kashan (Foto 5)

Estas revestem-se de uma decoração floral esculpida em estuque – Hammam-e Sultan Mir Ahmad (Foto 6), Kashan, Khan-e Abbasian (Foto 7).

Outras pintam-se de motivos florais e de relevo em forma de flor – Bagh-e Fin, Kashan (Foto 8).

To be continued...

Foto 1- Masjed-e Agha Bozorg, Kashan

Foto2- Khan-e Abbasian, Kashan 

Foto 3- Khan-e Boroujerdi, Kashan 

Foto 4- Khan-e Boroujerdi, Kashan

Foto 5- Hammam-e Sultan Mir Ahmad, Kashan

Foto 6-  Hammam-e Sultan Mir Ahmad 

Foto 7- Kashan, Khan-e Abbasian

Foto 8-  Bagh-e Fin, Kashan

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Casualidade instantânea



Quando aterrámos em Teerão, o acaso foi nosso amigo e deu-nos as boas vindas. Estávamos a pisar solo iraniano, há 5 minutos, quando Behjat meteu conversa connosco. Behjat está nos seus entas e é o protótipo da super-mulher, de uma senhora de negócios e mãe de três filhos.

Convidou-nos para irmos à sua casa e abriu-nos as portas dum apartamento num prédio que lhe pertencia, a ela e ao esposo Mo. Eles dormiam no último piso do prédio, nós passávamos a noite no andar inferior. Fizeram do prédio um lar e um foco de trabalho com dois andares de escritórios, no norte de Teerão. We made our office our home, and we brought our home to our office, justificaram. O casal navega no mar dos negócios de exportação, mais concretamente maquinaria referente à indústria petrolífera. Vivem entre Atlanta e Teerão. E conheceram-se assim:

Ele – I was her neighbour, a good neighbour.
Ela – A neighbour for life!

Para quem ainda esteja parado na parte do prédio ser todo deles, esqueçam a excentricidade. Acolheram-nos durante três dias com uma espécie de paternidade aconchegadora, no meio duma cidade com 12 milhões de pessoas. Mo, diminutivo de Mohammed, grande orador que nos deu a conhecer um pouco da cultura persa, os seus poetas, a sua política e a sociedade que observam já com algum distanciamento de emigrante. Mas ao longo dos jantares ia deixando o lirismo dos poetas persas para começar a manejar a língua farsi como um brinquedo:

-Mo alone is a shortcut for Mohammad, Mos in farsi should be shortcut for two Mohammads but no, it means banana. Don’t ask for two teas. Asking for two teas in farsi (do chay) is like asking for a parrot and you’ll just look like an idiot.

Nesses jantares, não fazíamos jogos de palavras mas relatávamos o nosso dia de descoberta da cidade. Mo e Behjat riam-se por termos estado em sítios que eles próprios desconheciam. Na hora da despedida, ficámos sem palavras quando em tom de desabafo, confessaram que o fruto do nosso encontro esboçou o desejo de viajarem pelo Irão e conhecerem o mundo para aproveitar a vida de outra forma.

Ela – We want to connect with culture. We want to connect with nature.
Ele – There’s probably no age to do it, we can still do it.
Ela consente.

domingo, 21 de outubro de 2012

Hammam-e Sultan Mir Ahmad ou a fantasia de um banho real



No Irão são raros os hammams (banhos públicos) que cumprem ainda a função pela qual foram construídos. Alguns tornaram-se obsoletos, outros converteram-se em casas de chá ou em restaurantes. Hammam-e Sultan Mir Ahmad, em Kashan, não é nem um nem outro mas manteve a sua beleza como monumento histórico.

Após 500 anos de existência, apesar de já não se povoar de persas prontos a serem esfregados com ferocidade ou de se embaciar com águas quentes, deve-se poder contar com os dedos da mão quem consiga ficar indiferente à atmosfera que se respira entre os mosaicos, a cúpula e as fontes que o habitam.



Os arcos são ornamentados em estalactite. Os mosaicos definem-se como moarraq kashi. As paredes são decoradas por pequenos mosaicos colocados juntos de forma a criar uma complexidade decorativa e geometria elegante.

Não há direcção por onde se pouse o olhar que não marque a retina daquela admiração de quem não perceba muito de arquitectura persa, mas saiba apreciar o seu soberbo encanto. Quando o sol fura a cúpula e reflecte a sua luz nas paredes e no chão do hammam cria-se um cenário pronto a respeitar a fantasia oriental que tanto alimentou o nosso imaginário.



Os seus raios iluminam o hammam também através de pequenos vidros duplos circulares dispersos pelas cúpulas mais baixas. Estes eram suficientemente espessos para quem subisse ao topo do hammam não conseguisse ficar estrategicamente de olho nas senhoras iranianas nuas que tomavam banho. Fora a malandrice de espião, subir ao topo é preciso, para apreciar os minaretes e os badgirs (torres de vento ou o ar condicionado à moda antiga) de outra perspectiva.



sábado, 20 de outubro de 2012

Darvish Tea Shop é assim: Um chá, dois chás, três chás!




Encontramos em Teerão um dos bazars mais labiríntico do Irão, sendo um dos cantinhos de chá mais pequenos. Foi por acaso que uma ruela em pleno bazar nos levou até esta "casinha" escondida. O conceito de casa pequena talvez seja muito até com o sufixo diminutivo. O Darvish é apenas uma bancada e umas estantes num espaço de 2 m2, onde dois homens fazem do seu dia a dia servir chá aos bazaris (quem trabalha no bazar) e aos visitantes. Este cantinho mantém-se fiel há 110 anos ao que mais hidrata os iranianos.
O mais velho é tio do mais novo. O mais novo é neto do fundador. Paradoxo de idades ou não, a verdade é que o tio tem como responsabilidade percorrer o bazar para distribuir chá aos seus negociantes, enquanto que o sobrinho fica de pé atrás do balcão, firme para servir quem pare a caminho da madraseh (escola de mullahs - personalidade da hierarquia religiosa islâmica xiita) para matar o vício, e aproveite à saída da madraseh para pedir outro.



No Irão bebe-se , em média, quinze chás por dia. Competir com a bica portuguesa? O vício é bem maior. Enraizado na cultura, torna-se instintivo fazer do chá a bebida que acompanha o iraniano a qualquer hora do dia e da noite. Mentira seria dizer que já não entramos também nessa rotina, mas o Darvish não só nos serviu chá como nos proporcionou alguns encontros. Apesar de só caberem duas pessoas na largura da ruela e de se perturbar por vezes quem quisesse passar sem parar, foram vários que nos ofereceram chá, ficaram à conversa e acabaram por propor receberem-nos em sua casa.



No Darvish, orgulhavam-se de se lembrar dos estrangeiros que lá tinham passado para provar o seu chá. A única fotografia exposta no muro (para além das obrigatórias Ayatollahs Khomeini e Khameinei) era do avô e dum cliente belga. Por isso, antes de nos despedirmos, decidiram tirar-nos uma fotografia semelhante à que tinham exposta do avô a servir o chá ao belga tal como nos serviram a nós. Pela quantidade de chás que lá bebemos e que nos foram oferecidos pelos donos, pelas lembranças que nos deram quando nos despedimos, pela simpatia que revelaram e por termos sentido aquele gosto particular em ter encontrado o ponto nevrálgico do chá paradoxalmente minúsculo e invisível das ruas principais, tirámos uma fotografia instantânea para poderem colocá-la ao lado da do avô.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Gol-e Razaieh - Revolução entre pratos, Teerão







Se era possível fazer vida de bazar, mesquitas e restaurantes tradicionais era, mas quando se entra no Gol-e Razaieh sente-se que se presencia a algo peculiar, diferente do que vimos até agora. Com 75 anos de existência, Gol-e Razaieh é um dos cafés mais antigos de Teerão.

Revela-se como uma pérola de resistência contra as restrições do governo. Quem o abriu foi o avô dos dois jovens que o gerem neste momento. Quem o decorou foi o tio artista. Graças a ele, as paredes vestem-se de posters de The Beatles, Queen, Pink Floyd, The Doors e tantos outros. Na entrada, um retrato de Bob Marley está exposto, vizinho ao de Che Guevara, prontos a vociferar liberdade e revolução.

Tal decoração parece comum em qualquer café europeu ou quarto de adolescente, mas quando afirma-se numa rua movimentada de Teerão (Sir Tir Street) torna-se motivo para o café sofrer de constantes ameaças de ser fechado. A música jazz e rock transforma--se no braço direito deste espírito contestatário.

Era um favorito dos artistas, jornalistas, e autores até a revolução. Hoje em dia continua a ser frequentado por alguns deles. Orgulhosos da presença de um dos autores mais importantes da literatura persa, a mesa onde se sentou Sadeghhedagat não é utilizada por mais ninguém desde a sua morte mas continua posta e é limpa todos os dias religiosamente.

Juntando o útil ao agradável, o que nos levou até lá foi o Khroresht caseiro difícil de encontrar noutro sítio da cidade. Prato tradicional iraniano, quem se cola aos tachos é a mãe. Foram-nos servidos dois tipos de Khoresht. Gheymeh é ensopado de carne de vaca com ervilhas amarelas, tomate e batata temperado com canela, pimenta preta e açafrão e o Khoresht Karafs é um ensopado de borrego acompanhado com aipo, menta, salsa com sumo de limão.