Impressões do antes (ou, eu irei, ele irá...eles irão). No princípio era o verbo, a verba, e depois o destino. Para além de assumir a tradução portuguesa homónima do verbo propício à viagem, quando o Irão se torna destino e não verbo conjugado no futuro do indicativo, é pelo fascínio que ele provoca que se decide roer caminho até lá! Por ser um país embriagado em costumes alimentados pela sua língua - o farsi, pela sua história, por aquela religião - o Zoroastrismo, pelo seu povo, e até pela sua polícia, a dos costumes. Durante trinta dias vestimos essa cultura com vontade de saber o que é ter aquela visão, esta audição, muito paladar, algum tato e um olfato persa, no masculino e no feminino. Fazemos as malas do estrito necessário, dobrando a novidade e o inesperado para deixar espaço para o que trouxermos de lá.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Abyaneh, a Intemporal


Próximo de Kashan, na província de Esfahan, descobre-se uma povoação isolada, subsistindo da agricultura e de algum turismo. No seio do Monte Karkas surge a aldeia de Abyaneh, a 2235 metros de altitude. Os seus idosos aconchegam-se em 1500 anos de existência nesta terra, mantendo a prática do idioma persa médio caído em desuso no resto do país desde o século VII (o fim do período Sassânida).
População: uma dúzia de idosas aprontadas com traje tradicional, lenços brancos semeados de flores coloridas, roupas estampadas em tonalidades intensas, e com um faro especialmente desenvolvido para o negócio. De postura sábia e segura, permanecem sentadas estrategicamente nas ruas principais da aldeia para a venda de frutos secos e artesanato local.
Uma corvermelho ocre
A melhor forma de apreciar Abyaneh? Ao ritmo de passo errante. A aldeia ganha vida em ruas sinuosas vazias de pessoas quando se animam sombras à medida que a luz do dia vai caindo sobre as suas construções em tijolo de adobe e os seus antigos terraços de madeira quebradiços. A aldeia ganha cor.  A cor do solo funde-se com o vermelho ocre dos edifícios, fazendo desta povoação uma terra e gente com carácter.
Uma expressãoNágir! Nágir!
Quando uma velhota solta essa expressão em tom de refilona, a abanar um pau de madeira em gesto de ameaça, percebe-se que não nos está a convidar para beber chá. Várias vezes tentámos tirar um retrato dela, e tantos Nágir se seguiram que entendemos que a máquina fotográfica não era bem recebida. No entanto, pronta para o negócio, pôs as queixas de parte e levou-nos para uma sala aberta sobre a rua onde se encontravam espalhados pelo chão cartões desarrumados por vestes tradicionais para homem e mulher. Depois de nos vestir como marionetas, assumimos o papel de rurais abyanenses para uma sessão fotográfica. Este serviço pago valeu para a prova de uma nova moda como para uma série de retratos da senhora que já não resmungava frente à máquina.


























segunda-feira, 5 de novembro de 2012

De olho nos Mullahs


A primeira vez que se avista um mullah é um momento verdadeiramente precioso. A primeira conversa torna-se, portanto, um feito para relembrar. Quando se avistam ao longe, pára-se e contempla-se o senhor como se tratasse de um monumento nacional. São de facto figuras carismáticas, verdadeiros cartões de visita de do país, de carne e osso.

Mollahs, muhllah, mulla ou mollâ, seja qual for a sua forma ortográfica, é de origem árabe mawla e significa mestre ou guardião. Designa os eruditos religiosos. Os mullahs dedicam-se a estudar teologia e a lei islâmica baseadas no Corão. Entre outras funções, desempenham o treino do muezzin (a pessoa encarregada do chamamento das orações do alto dos minaretes), a prática de sermões religiosos e a lide de cerimónias religiosas como os rituais de nascimento e os funerais. Podem também assegurar a continuidade e praticarem o ensino em escolas para mullahs (madrasahs).

Reconhecem-se pelas vestes. A religião e o traje são dois elementos, maior parte das vezes pouco indissociáveis. No Irão, um mullah veste-se com uma capa e um turbante (dulband em persa). Este último elemento é preto e permite identificar um mullah descendente da família do profeta Maomé, o branco enrola-se na cabeça de todos os outros. Encontram-se em qualquer parte do país, mas na rua assemelham-se regularmente ao Coelho Branco da Alice no País das Maravilhas, cheios de pressa com passo de quem está atrasado, capa ao vento e olhar fixo no caminho.

No entanto, muitos apreciam que a objectiva esteja virada para eles e alimentam alguma curiosidade em comunicar com gente de fora. Um mullah que encontrámos em Abyaneh não mencionou Cristiano Ronaldo mas falou-nos em Fátima. Separados por mais de sete mil quilómetros impressinou-nos a capacidade de mencionar um lugar santo e devoção português quando há uns meses atrás desconhecíamos os sítios de peregrinação persas.